HenriqueMelo

Psicólogo Clínico e Psicanalista

CRP 06/123471

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Comunicação Verbal: Construindo a Realidade Compartilhada

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Henrique T. Melo

De onde vem a FALA
e por que ela é necessária para nossa sobrevivência?

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Você já parou para pensar que o “pensar”, inclusive este que te motivou a continuar lendo este texto, está apenas e exclusivamente em sua mente?

Há muitos anos atrás, em torno de 50 mil anos ou mais segundo linguistas e historiadores, a linguagem verbal do Homo sapiens começou a engatinhar, mas muitos cientistas creem que um tipo de comunicação falada pode ter surgido há pelo menos 600 mil anos atrás com nossos parentes humanos mais próximos: os Neandertais. Primeiramente como uma protolíngua, ou seja, apenas algumas palavras que ajudaram nossos antepassados caçadores-coletores a se comunicar entre si a fim de saberem onde caçar, o que caçar, como se juntarem nas caçadas, onde havia água, frutos e evitar perigo.
Há alguns estudos que apontam que nomes podem ter surgido já nesta época também, com sons diferentes para cada pessoa. Não por acaso, em alguns estudos recentes, golfinhos e baleias têm este mesmo comportamento: cada ser tem um som diferente para se apresentar, e o grupo consegue reconhecer cada som diferente como um ser diferente, criando assim a singularidade de cada um. Por esses mamíferos serem criaturas sociais, tão como nós, a singularidade e personalidade são decisivos em formação de grupos, segurança conjunta e procriação. Isto inclui uma forma de inteligência pouco explorada, que é a de que se esses animais têm a capacidade de reconhecer outros, possivelmente, reconheçam sua própria existência. Um tipo de consciência ou propriopercepção que por muitos milhares de anos fora apenas reconhecida em nós, humanos.

Assim como o ato de se mover está intrinsecamente ligado à vida, o ato de falar com outro ser da mesma espécie está ligado à consciência de Si e do Outro. Se eu falo com minha voz, estou falando para o Mundo e não para mim mesmo, pois senão chamaríamos isto de pensamento ou solilóquio (falar consigo mesmo). Por não haver ação no Mundo Externo, o pensamento não consegue ser mensurado e catalogado por outro alguém, se origina dentro do Ser e permanece nele. Se este pensamento consegue passar para a realidade externa chamamos de “fala”, o que de certa forma é como nosso corpo consegue expressar aquilo que se passa na mente. É como ter o desejo de pegar uma xícara de café, mas sem um corpo para se inclinar e agarrar a xícara, o desejo seria apenas uma realidade nunca a ser concretizada. Uma esfera que podemos, sim, chamar de realidade, mas INTRAPSÍQUICA. Ela existe, o pensamento existe, mas não é compartilhado e portanto não pode ser compreendido por mais ninguém do que a própria mente daquele que pensa.

Neste contexto, a Psicanálise se apoia: aquilo que pensamos, cogitamos e construímos em nossa realidade intrapsíquica existe, mas quando falamos, levamos esta realidade para a realidade compartilhada. Pelo ato de se comunicar, cocriamos a realidade externa com o Outro e isto por si só já é curativo para as angústias e ânsias da vida. O termo para isso é CATARSE, ou CURA PELA PALAVRA, pois ao tornar o pensamento concreto na realidade compartilhada ele se torna quase que palpável, é físico, e dali podemos ouvir do Outro uma outra forma de pensamento que não poderíamos ter acesso sem a FALA. Não quer dizer que sempre estaremos equivocados sem verbalizar o pensamento, mas podemos ter um outro ponto de vista e até mesmo reconhecer padrões que não reconheceríamos através de outras experiências sobre o mesmo fato.

Nosso pensamento é infinito, mas nossas conclusões intrapsiquicamente são limitadas pelas nossas experiências passadas. Com a Fala e o Outro ouvinte, estes limites avançam mais.

Lógico que, apesar de tudo muito lindo, existem sentimentos, sensações, emoções e formas de expressão que não sabemos muito bem como dizer ao Outro, então cogitamos, explicamos com nossas palavras mais próximas, fazemos nos entender por explicações mais elaboradas ou até mesmo com gestos (uma outra forma de linguagem, vamos discutir sobre elas em outro texto). 

Hoje temos muitas palavras de muitas línguas diferentes, sendo algumas nem ao menos traduzíveis a outra, como a nossa Saudade, que por si só é entendida como “falta de…”. Na língua inglesa, por exemplo, I Miss You significa sinto sua falta, mas não há nela ou em qualquer outra língua uma simples palavra para expressar este sentimento. Pensa bem: Saudade é uma palavra criada por apenas uma língua para expressar um sentimento corriqueiro e comum a todos os seres humanos.

Pensando nisso, quantas outras palavras não existem ou ainda existirão?

E dentre todas possíveis hoje, como explicar ao Outro seu pensamento, ação ou ideia de uma forma que seja compreendida tanto quanto foi pela sua mente?

Quando um médico pergunta onde dói, você consegue apontar. Se ele perguntar como é a sensação de dor, geralmente, explicamos com alusões (“como se estivesse um espinho”), com verbos ou substantivos (irrita, incomoda, arde, queima), mas nunca com uma palavra única que explicita concretamente a dor a ponto do outro ter a total clareza de sua queixa. Como dói quando se quebra um osso? Podem te dizer que é uma dor aguda, que lateja, parece que algo se rasgou por dentro, mas se você nunca quebrou um osso nunca irá compreender de fato esta experiência. 
Apenas cogitamos aproximadamente por empatia (reconhecimento do outro pelo que já vivi aproximadamente), o que já é bem melhor do que nossos antepassados de 50 mil anos atrás.

Explicar a ansiedade dentro de nós, uma desilusão amorosa, um grande trauma, ou até mesmo as vezes a coceira nas costas é complicado. Chegamos perto, mas não inteiramente como a própria experiência é. Pelo menos, conseguimos nos comunicar a certo ponto de gerar a empatia e a compreensão aproximada de algo abstrato intrapsíquico para a realidade compartilhada.

A falta de palavras para expressar nossa maneira única de pensar sobre o Mundo é uma angústia que ainda não temos solução direta ou fácil, mas podemos tentar nos expressar pelas inúmeras outras formas como a Arte, Ciência, Afeto e até mesmo em uma Discussão, pois é no relacionamento com o outro que aprendemos, e é nele que podemos nos entender (e sermos compreendidos também).

Referências Bibliográficas

BBC NEWS BRASIL. Quando e por que os humanos começaram a falar? – BBC News Brasil. Acesso em: 12 set. 2023.

DARWIN, Charles. (1859). A Origem das Espécies. 

FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

HORNEY, Karin. Cura pela Palavra: A Linguagem na Psicoterapia. São Paulo: Perspectiva, 2006.

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