A Loucura: a contenção de Si-mesmo
Você já sentiu que está sempre usando uma camisa-de-força para segurar-se em Si mesmo? Uma conversa sobre a “loucura”.
Psicólogo Clínico e Psicanalista
CRP 06/123471
Fala-se muito de autocontrole e controle da situação,
mas é totalmente possível termos controle de tudo?
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Controle é algo que desejamos, mas nunca teremos por completo.
O controle pode ter diferentes significados, mas vamos considerar a definição do dicionário: “ato ou efeito de controlar(-se)”. É importante notar que o “(-se)” indica que o controle pode ser tanto externo quanto interno. Em termos simples, o controle é a capacidade de regular, gerenciar e direcionar algo para alcançar um objetivo específico.
Quando pensamos dessa maneira, não parece tão ruim. Se é possível, então é realizável, certo? Se estamos vivos e temos desejos, podemos controlar a situação para que ela se encaminhe para o sucesso. Basta esperar que o tempo faça seu trabalho e pronto! Alcançaremos o sucesso. Teremos controle total sobre tudo…
Não necessariamente. Devemos lembrar que vivemos em um mundo imperfeito, variável e caótico. Além disso, só podemos prever o futuro com base em nossas experiências e conhecimentos passados. O presente é um fragmento na linha do tempo, e é somente nele que temos algum tipo de controle.
Estamos discutindo aqui questões existenciais muito sensíveis, caso você não tenha percebido. Embora seja difícil de aceitar, enfrentamos essas questões todos os dias, naturalmente e sem problemas… Até que surja um problema.
A grosso modo, podemos dizer que o desejo é o impulso e a neurose é o controle: “sei o que quero e farei tudo a meu alcance para conquistar isto”, sendo seguindo passos de um plano, falando com certas pessoas, criando vínculos, juntando dinheiro, etc. Normalmente, o problema se manifesta quando percebemos que nossos desejos não se realizam da maneira que queríamos, planejamos ou fantasiamos, ou quando simplesmente não se concretizam. Nesse momento, o Ego se abala. Com o abalo do Ego, a própria existência é questionada, tornando-se um jogo contra si mesma. Nada mais faz sentido… (O texto está muito sensível? Leia “O Sentido da Vida: O Mito de Sísifo” para refletir antes.)
Olhando por essa perspectiva, de fato, a neurose de controle excessiva sobre as coisas, as pessoas, a vida, o trabalho, o tempo, as relações, os sonhos, de acordo com sua forma de pensar e apenas pautada no desejo é dolorosa e causa frustrações que geralmente se “solidificam” e permanecem como fracasso.
Vamos imaginar o seguinte cenário:
Alex tem se dedicado ao máximo no trabalho há algum tempo. Seu chefe o elogia todos os dias, mas também atribui mais trabalho devido ao seu alto desempenho. Os 100% que Alex estava dando se transformaram em 110% rapidamente, mas tudo bem, tudo está seguindo seu plano: mostrar serviço, ser prestativo, ser o melhor em sua área, ter tempo de empresa, pois isso se alinha tão bem com os valores e conceitos da empresa que é praticamente impossível não ser promovido. Sua esposa está preocupada com o estresse e as noites mal dormidas, mas a resposta de Alex é sempre a mesma: “Ah, não importa, em breve aquela vaga estará disponível e tenho certeza de que serei promovido!” E ele continua aceitando as demandas extras. Seu plano é infalível. Finalmente, chega o grande dia e, na hora da revelação… Um colega de equipe de Alex é promovido. “Promovido no meu lugar?”, ele pensa. Como não se sentir frustrado e injustiçado? Alex batalhou tanto para conseguir essa promoção. O que ele fez de errado? Onde falhou em seu planejamento para a promoção? Será que deveria ter bajulado mais o chefe?
Em muitas situações, ficaremos sem respostas e, portanto, frustrados por não sermos escolhidos e por não sabermos o motivo. Frustração em dobro! No entanto, a frustração faz parte de nós e está tudo bem senti-la. Mas sentir-se frustrado e permanecer assim são coisas diferentes. Ficar frustrado nesse momento e dar sorrisos amarelos para todos não é um problema, faz parte do jogo. Mas depois, você pode refletir e compreender melhor. Talvez, aquele colega realmente seja bom e esteja se esforçando tanto quanto você. Embora você não saiba exatamente o motivo pelo qual não foi promovido, você pode conversar em feedbacks com seu chefe e outros profissionais para entender o que pode melhorar e o que pode estar exagerando. Isso pode até levar à próxima promoção. Ou talvez seja um incentivo para você procurar uma empresa que valorize seu trabalho e dedicação, em vez de tentar isso em um ambiente que não reconhece o valor individual do profissional. Não há certeza, pois há muitas possibilidades.
Não estou dizendo que aceitar a frustração dá um passe livre para a conquista e que sempre haverá uma bela luz no fim do túnel. Não, não é isso, o mundo segue variável. É apenas um lembrete para nós mesmos de que, em alguns momentos, precisamos parar e entender que a vida não é como em um jogo de videogame, onde sempre alcançamos o que desejamos seguindo um caminho predeterminado pelas nossas ações. A vida é composta por inúmeros processos que podem, em determinado momento, chegar ao clímax, ao que você deseja, mas também pode não chegar. Não temos controle sobre o que os outros fazem, sobre o que pensam, sobre a natureza e, às vezes, nem mesmo sobre nosso próprio corpo quando estamos doentes.
Podemos controlar nossos corpos, mas não de forma totalmente consciente e nem o tempo todo. Podemos planejar o dia da semana em que iremos viajar, mas não podemos controlar se choverá nesse dia. Podemos influenciar uma situação com amigos, mas não controlamos os amigos. Podemos direcionar nossa vida, mas não controlamos o que acontece ao nosso redor.
Nosso controle é limitado pela realidade, pela própria existência e pelo fato de que somos apenas um entre muitos outros que também desejam ter controle sobre a vida. É bom e saudável direcionar, regular, planejar e gerenciar nossa vida, mas lembre-se sempre de que o mundo gira para você e para todos de maneira semelhante em situações diferentes.
E em relação aos outros: controlamos apenas o que emitimos, não o que recebemos.
FREUD, SIGMUND (1923). O ego e o id. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol. XIX. Imago.
KLEIN, MELANIE (1960). Amor, culpa e reparação e outros trabalhos. Imago.
Você já sentiu que está sempre usando uma camisa-de-força para segurar-se em Si mesmo? Uma conversa sobre a “loucura”.
Você já parou para pensar que o “pensar”, inclusive este que te motivou a continuar lendo este texto, está apenas e exclusivamente em sua mente?
Fala-se muito de autocontrole e controle da situação, mas é totalmente possível termos controle de tudo?
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