A Loucura: a contenção de Si-mesmo
Você já sentiu que está sempre usando uma camisa-de-força para segurar-se em Si mesmo? Uma conversa sobre a “loucura”.
Psicólogo Clínico e Psicanalista
CRP 06/123471
O que é o Das Man? Do conceito à reflexão.
Não consegue ler agora? Ouça ao podcast com exatamente este conteúdo em formato de áudio!
Disponível também no Spotify!
Você sabe quem é o DAS MAN?
Das Man (traduzido do alemão: “O Homem”) é um conceito filosófico que permeia e rege nossas condutas sociais. Das Man é o fantasma que está em todos os lugares e ao mesmo tempo em nenhum. É um conceito social, por assim dizer, pois Das Man é aquele que sempre está em uma posição melhor, tem mais status, tem a grama mais verde ou é simplesmente a encarnação desencarnada do capitalismo.
Das Man é a ideia do Alguém que precisamos ser na vida, sem realmente sabermos quem ou o que é esse alguém.
Pensa bem, sabe aquela frase sem pretensão alguma que seu tio solta no almoço de família para você: “Você precisa ser alguém na vida”? Então, esse Alguém é o nosso O Homem. Não é ninguém de fato, o seu tio jamais conseguirá responder concretamente quem é esse “alguém”, somente irá te comparar ao seu primo Roberto que comprou uma casa nova ou com a sua vizinha Andressa que acabou de ter mais um filho aos 25 anos de idade. De fato, esse alguém é realmente uma entidade, um conceito, uma brincadeira mental para dar significado a ideia de que sempre estamos tentando alcançar algo que de verdade nem sabemos muito bem o que é, mas precisamos, pois desde bebês somos ensinados a perpetuar esta engrenagem do “chegar lá”.
O conhecemos quando acreditamos que para sermos felizes temos que casar com alguém que nos ame incondicionalmente e ter pelo menos um filho, que devemos chegar a um estágio profissional em que trabalhamos com o que amamos ganhando muito dinheiro, de que precisamos comprar nossa casa própria para ter tranquilidade, que somente se formando na Universidade que poderemos ter capacidade intelectual para discutir sobre assuntos da vida…
Ou seja, o modelo básico do sonho americano: seja, batalhe, consuma e produza neste modelo para ser feliz.
O Das Man está em vários ambientes, está entre nós agora mesmo enquanto você lê com atenção a este artigo, pois incumbido em seu inconsciente tem algo te dizendo: “Ah, tá lendo este artigo para se sentir mais esperto, mas na verdade podia tá ganhando dinheiro fazendo o mesmo que ele… Olha como ele atingiu o sucesso e você ainda não”, apesar de você nem saber se eu quero ganhar dinheiro com isto ou se considero isto meu sucesso pessoal.
Que coloque a mão no fogo quem nunca se comparou e colocou suas capacidades em xeque quando viu alguém que faz o mesmo que você ter uma posição melhor ou “se dar melhor na vida”, não é?
Só que penso, o que é “se dar melhor na vida”? Ter tudo que todos têm da mesma forma e pelos mesmos caminhos? É seu desejo real e factual casar e ter filhos, ou é uma imposição social que está tão inerentemente colado aos seus anseios sociais que acabou se tornando seu “sonho”?
Ganhar dinheiro é bom, gastar com o que queremos ou precisamos é maravilhoso, juntar seu dinheiro para comprar sua casa, seu carro, suas roupas, seu game, é incrível!
Mas quando somente seguimos esta roda, não olhamos para fora, não ouvimos o nosso coração, não damos importância as relações, tudo parece que sempre tem que ter algum motivo muito grande e muito importante para ser útil as nossas vidas, e principalmente deixamos de viver as experiências “menores” do dia-a-dia por sentirmos que estamos falhando como um “Adulto Funcional”, aí é O Homem que está trabalhando à espreita; e ele trabalha tão bem quando o permitimos que torna nossa vida em uma jornada ao sucesso, em uma fantasia que nos leva apenas a trabalhar-consumir-morrer ao invés de autorealização plena.
Com o Das Man em nosso cangote, a curiosidade, ambição e desejos reais de existência se transformam em apenas produtividade e utilitarismos: “Para quê farei isso?”.
Só que você pensa quando trabalha 8 horas por dia, com sorte em 5 dias na semana, com a cara no computador velho: “Para que faço isso”?
Não, né? E sabe por quê?
Por que a resposta sempre é: “Para ganhar dinheiro”, nessa situação.
Todo prazer em atuar em algo que realmente ama, admira e te dá significado é facilmente trocado por um trabalho monótono, sem sentido pessoal e muitas vezes normativo que retira em sua própria essência o Ser Humano de seu local de pensamento e existência (Falaremos mais sobre isso em um próximo artigo, segura a ideia, jovem Ansiógenes).
Sabe aquele vídeo que você assistiu uma vez com sua família sobre as “10 Curiosidades mais Incríveis do Egito Antigo” (exemplo não real, mas com certeza eu já assisti a algo parecido)?
Então, qual a utilidade dele? Você usará algo dele em seu trabalho? Isto é o que estou chamando de utilidade, que neste caso, não há mesmo para seu trabalho de 8 horas, com sorte 5 dias na semana.
Só que, pensando bem, você assistiu a este vídeo com sua família e foi muito divertido discutir e se surpreender com eles quando assistiu que o rolê mais legal de todos no Egito Antigo era jogar jogos de tabuleiro (é verdade! Veja aqui!). Este momento em família está marcado em sua memória e será lembrado, inclusive quando estas pessoas tiverem partido. Será para sempre uma lembrança boa deste momento.
Então a utilidade é ter memórias?
Esqueça a utilidade, Ansiógenes. Nem tudo que existe tem utilidade.
Inclusive, este pensamento é o Das Man, lembra dele? Já esqueceu? Ele faz isso muitas vezes…
Quando você tenta achar uma utilidade financeira ou colocar-se em autocobrança sobre o que você está fazendo ser inútil, que devia tá trabalhando, estudando, criando, fazendo, produzindo, correndo, e tudo mais que seja uma ação considerada útil para o ganho: é esse fantasminha falando.
Puxando aquela brasa para aquela minha sardinha e fazendo um paralelo, podemos dizer que o Das Man se assemelha, em uma tradução livre e despretensiosa, ao Superego para a Psicanálise: uma instância do aparelho psíquico desenvolvido pela relação de autoridade, dono das regras, que te limita nos desejos, impulsos e anseios. No caso da Psicanálise, o Superego internalizado e bem desenvolvido é aquele que limita os impulsos sem autoritarismos ou buscas incessantes pelo Falo perfeito, e é necessário para vivermos em sociedade. Já o Das Man é mais cruel e implacável, tanto quanto um Superego rígido e tirânico, que busca somente a continuidade “da roda” para a sobrevivência social, ao invés de buscar a vivência.
Tanto quanto um Superego rígido, o assombroso Das Man mantém o Ser Humano em uma busca pela perfeição, sucesso, pelo Falo perfeito, pelo “lá”; mas em contrapartida, leva a gente a burnouts, depressões, ansiedades, e vários outras enfermidades da mente que tanto conhecemos e presenciamos crescer a cada ano. Que nos limita em nossa existência humana, que cria em nós uma necessidade de fazer e fazer para poder Ser, de comprar para ter conforto, de abusar para desopilar do cansaço…
Não proponho aqui, com tudo isto que disse, uma revolução contra o Das Man, não agora… Antes temos que pensar, refletir e compreender que a vida não é feita só de ganhos, que nossos planos são importantes mas são apenas fantasias neste momento até começarem a se concretizar, e que não há problema algum em ter seu tempo, seu espaço, sua vida, do seu jeitinho.
Não se compare, exista! Mas para existir, tem que pensar!
Falaremos mais sobre isto em um próximo texto (Acalma-te, Ansiógenes).
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Fausto Castilho. Petrópolis: Vozes, 2006.
Você já sentiu que está sempre usando uma camisa-de-força para segurar-se em Si mesmo? Uma conversa sobre a “loucura”.
Você já parou para pensar que o “pensar”, inclusive este que te motivou a continuar lendo este texto, está apenas e exclusivamente em sua mente?
Fala-se muito de autocontrole e controle da situação, mas é totalmente possível termos controle de tudo?
Você conhece sobre a Doença de Alzheimer? E sabe que apesar da perda de memória os sentimentos permanecem?
Descartes pensava e existia deitado em sua cama, mas não só. Vamos discorrer sobre seu método inusitado de construção de conhecimento.
Vamos filosofar juntos sobre este tema de acordo com Albert Camus e o Mito de Sísifo.